“Ninguém nasce odiando outra pessoa por sua cor da pele, sua origem ou sua religião. As pessoas podem aprender a odiar e, se podem aprender a odiar, pode-se ensiná-las a aprender a amar. O amor chega mais naturalmente ao coração humano que o contrário.” Esse pensamento é de Nelson Mandela, ícone ativista que lutou contra todas as formas de apartheid, formais ou invisíveis, presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993.
Começamos esse texto um verdadeiro convite para falarmos sobre um momento tão importante de nosso calendário nacional: o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. A data é responsável por reconhecer e valorizar a luta do povo negro, sua cultura e suas contribuições para a construção da sociedade. Além disso, é um momento relevante para reforçar a importância do combate ao racismo.
Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, 54% da população brasileira é negra. Tendo como pano de fundo esse dado, é assustador observar indicadores da realidade brasileira. Infelizmente, a população negra é a que mais é morta por armas de fogo no país, por exemplo, como aponta o estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz, ao revelar que dos 30 mil assassinatos por agressão armada, 78% foram contra pessoas negras em 2019.
Os números são chocantes e apresentam uma triste fotografia do racismo em um país que buscou, de diferentes maneiras, criar o mito da democracia racial. Vejamos:
● Homens brancos com ensino superior têm um salário médio 159% maior na comparação com o das mulheres negras que também cursaram faculdade, segundo pesquisa realizada pelo Insper entre 2016 e 2018.
● Apesar de as famílias negras gastarem mais do que as famílias brancas com produtos de higiene, segundo relatório divulgado pela NielsenIQ, em 2021, pessoas de pele negra seguem sendo ignoradas por parte da indústria de cosméticos: dos 110 fabricantes de protetor solar no Brasil, só quatro têm produtos para pele negra.
● 6 em 10 brasileiros já viram negros serem discriminados em locais comerciais, segundo pesquisa encomendada pelo Grupo Carrefour Brasil.
Mesmo sendo considerado crime, gestos de racismo estão presentes em diversas situações do cotidiano. Sendo assim, é papel fundamental das instituições de ensino combater o preconceito, a falta de informação e outras formas de violência; incluindo as manifestações em meios digitais.
Talvez, alguém possa se perguntar: “como as escolas podem trabalhar esse tema com as crianças e adolescentes de forma acolhedora e, ao mesmo tempo, crítica o suficiente para transmitir o real status do assunto?”. Para esse ano, temos uma resposta:
● Apresente aos alunos produções realizadas por pessoas negras, como autores, diretores de filme e cantores. Pensando nisso, separamos algumas dicas que fazem todo o sentido para qualquer agenda que procure promover o debate e a aprendizagem. Tome nota!
– Livros:
Caderno sem rimas da Maria – Lázaro Ramos
Lázaro Ramos, ator, apresentador, dublador, cineasta e escritor de literatura infantil brasileiro, busca inspiração em sua filha para inventar e ressignificar palavras. No decorrer das páginas, mostra que a liberdade da leitura nos faz viajar para lugares distantes.
Meninas negras – Madu Costa
Nesta obra, a vida e os sonhos de três meninas negras são o foco da narrativa. Temos a oportunidade de acompanhar as personagens aprenderem sobre suas raízes e respeitarem sua ancestralidade.
– Diretores de filmes que podemos acompanhar:
Ryan Coogler
Assina os filmes Pantera Negra (classificação indicativa 12 anos ) e Space Jam (classificação indicativa livre).
Spike Lee
Em mais de 30 anos de carreira, Spike Lee recebeu uma série de indicações ao Oscar por filmes como Quatro Meninas (classificação indicativa 14 anos ) e Faça a Coisa Certa (classificação indicativa 12 anos ). Certamente uma das vozes mais fortes dentro do universo da sétima arte.
Barry Jenkins
Com a obra Moonlight (classificação indicativa 16 anos) , filme lançado em 2016, Jenkins ganhou o Oscar de melhor filme. Com esse prêmio, tornou-se o segundo homem negro a vencer essa categoria
– Cantores:
Emicida
Seu Jorge
Tim Maia
Djavan
Alcione
Elza Soares
● Realize rodas de leitura com livros que contam histórias sobre a comunidade negra. Como por exemplo:
Nem preto nem branco, muito pelo contrário – Lília Moritz Schwarcz
Lilia é uma das mais importantes pesquisadoras brasileiras sobre racismo e literatura negra. Nesta obra, é abordada a temática de ambiguidade do racismo brasileiro, buscando explicar o fato de todo brasileiro conhecer alguém racista, mas ninguém se considerar um.
● Faça uma sessão de cinema e dê o play em filmes que abordam a temática:
Faça a Coisa Certa – Spike Lee (classificação indicativa 12 anos)
Infiltrado na Klan – Spike Lee (classificação indicativa 14 anos)
Corra! – Jordan Peele (classificação indicativa 14 anos)
12 Anos de Escravidão – Steve McQueen (classificação indicativa 14 anos)
● Nas aulas de história, apresente aos estudantes a história africana.
● Na disciplina de português, apresente palavras que utilizamos no nosso cotidiano e que possuem origem em culturas afrodescendentes.
● Gere debates que discutam a escravidão no Brasil e quais são suas consequências na formação da sociedade brasileira.
● Leve para sala de aula assuntos relevantes e atuais, como “black money” e “blackface”.
Você sabe o que significam esses termos? A gente te conta!
Black money: em tradução literal, dinheiro preto. O black money, nos Estados Unidos, representa o dinheiro sujo. Porém, no Brasil, foi ressignificado e passou a indicar o dinheiro que circula entre pessoas negras no mercado.
Blackface: iniciada por volta de 1930, em Nova York, a prática do blackface é a de pintar o rosto com tinta preta para simular a pele negra. Basicamente, pessoas que não possuem a pele negra pintavam o rosto em espetáculos humorísticos e se comportavam de forma exagerada para ridicularizar os negros.
● Apresente aos alunos dados sobre o racismo no país e promova a discussão sobre o preconceito e a importância de combatê-lo.
● Explique aos alunos a importância da diversidade. Para isso, clique aqui e leia o artigo “Diversidade: um valor para vida” publicado em nosso blog.
● Por último, mas não menos importante, apresente aos alunos expressões racistas que não devem ser reproduzidas, como:
“Cor de pele”
É comum que as crianças aprendam que “cor de pele” é aquele lápis rosado ou bege. Porém, é necessário salientar que esse tom não representa a pele de todas as pessoas. Nesse sentido, vale explorar o conceito do colorismo!
“Cor do pecado”
Utilizada como elogio, essa expressão é associada ao imaginário da mulher negra sensualizada e objetificada.
“Cabelo ruim”
Essa fala deprecia o cabelo afro.
“Denegrir”
Sendo sinônimo de difamar, a palavra “denegrir” possui na raiz o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e ofensivo.
“Samba do crioulo doido”
Sendo até mesmo nome de música, a expressão “samba do crioulo doido” é utilizada para se referir a situações confusas. Porém, reafirma a discriminação dos negros, sendo considerada uma frase racista.
Procure livros que abordem práticas antirracistas, como o livro gratuito para download “Ensino antirracista na Educação Básica: da formação de professores às práticas escolares”. Você pode conferir clicando aqui.
● O canal no YouTube “Brincando à beça com o professor Gustavo Lessa” apresenta brincadeiras africanas que podem ajudar os professores no momento de apresentarem o tema em sala de aula. Confira aqui!
● Conheça o projeto “Solta esse black”, ideia de uma aluna de 16 anos que busca valorizar a estética negra no ambiente escolar com o objetivo de combater o racismo em escolas municipais no Rio de Janeiro. Clique aqui e leia mais!
● O Geledés Instituto da Mulher Negra, Centro de Documentação e Memória Institucional, disponibilizou em seu site 16 perguntas para avaliar como sua escola aborda o racismo. Você pode conferir aqui!
Com tantas ideias e métodos de abordagem, fica difícil escolher um único caminho para celebrar o dia 20 de novembro, não é mesmo? Pensando nisso, convidamos todas as escolas a estimular um bom e produtivo papo sobre o racismo durante todo o ano e de diferentes maneiras. Desta forma, os alunos estarão sempre em contato com o tema e em constante aprendizado. Aliás, segundo a Prefeitura Municipal de Olinda, as escolas municipais da região já colocam em prática esse conceito. Lá, todo dia é dia para falar sobre Consciência Negra. Para se inspirar, leia a matéria agora mesmo!
Apesar de toda essa discussão e projetos que estamos indicando, é necessário, sempre que possível, buscar representatividade e apresentar aos alunos personalidades que possuam lugar de fala dentro do tema. Isso porque, segundo pesquisa do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) com base no Censo Escolar de 2020, menos de 10% de todos os alunos das 20 melhores escolas privadas do Brasil são negros. Além disso, apenas 16% dos professores universitários são negros, segundo dados demonstrados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep.
Pensando nisso, é possível concluir que crianças e adolescentes não possuem tanto contato com colegas que fazem parte da comunidade negra e o mesmo acontecerá ao partirem para a fase universitária. Por este motivo, é de extrema importância o trabalho das escolas em garantir a representatividade dentro da instituição. Deste jeito, os alunos da comunidade negra, conseguem se reconhecer em alguém. Para que isso aconteça, sugerimos que palestrantes que fazem parte do movimento sejam convidados a irem até a sala de aula para reforçar a identidade cultural.
Falando nisso, um bom exemplo de representatividade é o que aconteceu na Rede Globo com a jornalista Maria Júlia Coutinho e a pequena Maria Alice. Basicamente, Maria Alice se sentiu representada ao ver Maju na televisão com o cabelo semelhante ao seu. O vídeo do momento em que se viu representada na telinha foi gravado e fez sucesso. Em seguida, as duas se encontraram e a jornalista fez uma declaração emocionante:
“Eu cresci sem ver meu cabelo na televisão, era muito raro a gente se ver. Hoje, quando eu vejo uma Maria Alice com o cabelo crespo, cacheado, e assumindo numa boa, já valeu“, disse Maju.
Após tantas reflexões, chegou a hora de praticar. Mas, antes, conta para a gente quais são os métodos que já fazem parte do dia a dia da sua escola e que ajudam as crianças e os adolescentes a entenderem mais sobre a importância de combatermos o racismo. Deixe aqui a sua mensagem e lembre-se: é possível ensinar a odiar, mas é ainda mais possível ensinar a amar. E esse, com certeza, é o papel da escola.
Que tal continuar esse papo? Aproveite para escutar o episódio do podcast da Fundação Santillana, no Spotify, sobre Educação e Relações Étnico-Raciais no Brasil. Clique aqui e aproveite!